quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O CONTRIBUTO DA EXPERIENCIA MILITAR PARA O ENRIQUECIMENTO DA DIMENSÃO HUMANA II, por António Ferraz


Luís Leote
Texto de António Ferraz .
Fiz e sofri a guerra.
 
No chão tive sempre total autonomia de comando.
Vivi 40 meses integrado nas Forças Armadas dos quais 26 em Cabo Delgado (Moçambique) na área do Batalhão de Macomia, de Fevereiro de 72 a Março de 74.
 
Fui ferido em combate e transporto na mão, e no braço direito e na cabeça alguns dos estilhaços duma granada de mão com que a FRELIMO me presenteou numa emboscada, junto ao Rio Diquide, afluente do Messalo, em 12 de Novembro de 1972.
 
Um mês antes, chamados pelo cantar repetido dum galo, seguindo um trilho fresco, iluminados pelo luar, desprezando possíveis minas anti-pessoais e armadilhas, desconhecendo se o acampamento inimigo estava armado, mas sem um único tiro, acordámos e capturámos os residentes desse acampamento inimigo.
 
A nossa imprudência teve sorte, pois soube-se mais tarde, o único guerrilheiro da Frelimo que aí fora dormir, teve a sensatez de se esconder e não disparar.
 
Capturámos 10 mulheres, 10 crianças e 3 homens que desde 1964 no início da guerra, ficaram sob o controlo da Frelimo e foram após a operação então entregues á administração portuguesa.
 
Mais outros três golpes de mão bem sucedidos, e praticamente sem uso das armas, a não ser na resposta, quando vieram no nosso encalce, lembro com orgulho.
 
Seria mais fácil e de menos riscos entrar a varrer, do que sujeitarmo-nos em mera fracção de segundo a levar um tiro de quem mais atento já tivesse dado conta da nossa presença.
 
Com este orgulho de na guerra poupar vidas, a 18 de Março último na povoação de Ilala (antiga Cobre) entre Mucojo e Quiterajo, chorei mas de alegria: 37 anos depois voltava a abraçar o pequeno Ali Aín que em Março de 1973 capturámos com o Alid e deles fizemos os meninos da Companhia, permanecendo e vivendo connosco nas pobres instalações de nosso aquartelamento.
 
Não esqueço os momentos de profundo desgosto e desespero pela morte do alferes Lopes em 15 de Junho de 1973, pois cumprindo o exemplo de todos os oficiais da Companhia seguia ao lado do condutor do rebenta – minas e a equipa de picagem não encontrou a mina anti-carro que o matou.
 
Não esqueço a prostração pela morte do Ângelo Pequenino, que após passagem de oito camaradas pelo mesmo trilho accionou uma mina anti-pessoal e que fui buscar já morto na picada para Mocimba da Praia num pincher.

 
 
Lembro-me bem no Alto da Pedreira, do meu primeiro guarda – costas, o Castro, pastor da Beira Baixa, quando ao entregar uma granada de morteiro ao alferes Fortes, que me substituíra, após minha graduação, no comando do meu grupo de combate, quando a dita granada deflagrou no chão entre os dois.
 
O Fortes no solo com o peito desfeito e olhos vítreos! e o Castro caminhando e amparando por baixo as tripas que lhe saiam do ventre, dizia para o Alferes Coelho:
- «Meu Alferes que grande desgraça! o nosso Alferes Fortes está a morrer!...»
 
E assim tombou um grande soldado que nas últimas palavras, não cuidava de si, mas do seu superior.

 
 
Não esqueço o assalto comemorativo do início da guerra que a Frelimo fazia todos os anos e que em Cabo Delgado em 1973, teve por objectivo o meu aquartelamento e Posto Administrativo fronteiro de Quiterajo em 20 /09.
 
Após bombardear em 01 de Agosto Mocimba da Praia, utilizou pela segunda vez o canhão sem recuo B-11.
A Frelimo com guerrilheiros dos Bases de Gaza e Ibo terá juntado efectivos a norte de Messalo, calculados em mais de 200 guerrilheiros fortemente armados com morteiros 82, aquele canhão, RPGs 7, além das habituais Kalash, PPSH e Simonov.
O Posto Administrativo, anexos de saúde e Posto Médico, e a casa do adjunto de administração foram pilhados, mas meia dúzia de homens já experimentados, entre restantes 50 básicos que permaneciam no aquartelamento e se refugiaram nos abrigos contra morteiros, conseguimos repelir o assalto ao quartel.
- Um ajudante de cozinha com o morteiro 60 queimou as mãos com o aquecimento provocado por cerca das 100 granadas que enfiara no tubo, mas atingiu a base de fogo inimigo.
 
- Quando o alarido da vitória dos guerrilheiros já se ouvia por detrás da secretaria do Posto Administrativo encontrei o apontador do 81 a chorar porque a granada não saía do tubo. Tirei-lhe o bipé e retirando o tubo do prato base o inclinámos e recolhemos a granada.
Sem bipé, por estimativa e com granadas novas, que o soldado ia introduzindo no tubo, destruímos o telhado do Posto Administrativo mas afugentámos os guerrilheiros.
 
Deixaram um morto que sepultámos e um ferido que evacuámos por helicóptero para Mueda, e soubemos mais tarde que carregaram consigo outros sete mortos.
 
Demonstraram porém a força que a guerrilha já tinha e não tomaram certamente conta do aquartelamento, porque não quiseram sacrificar mais homens á mão daquela meia dúzia que bravamente preferia morrer combatendo, do que deixar-se aprisionar vivo.
 
São episódios da vida militar e da guerra como estes, tantas vezes contados e repetidos por aqueles que fizeram e sofreram a guerra, que marcam a existência dos combatentes.
 
Daqui alguns inferem que nos nossos encontros comemoramos ou temos saudades da guerra.
Nada mais errado.
O que nós comemoramos e a vida militar de combatente nos recorda, e nos enriqueceu foi:
- a capacidade de suportar o sacrifício que nos moldou a personalidade;
- a solidariedade praticante;
- o respeito pela vida alheia e também pelo inimigo;
- a humildade das nossas insuficiências;
- o controle do medo que nos fez corajosos.
 
Aquartelados em barracas ou construindo as próprias instalações com o que tínhamos á mão, vivíamos tantas vezes como bichos, tantas vezes abaixo do nível do solo, acompanhados por insectos e rastejantes susceptíveis de nos provocarem graves doenças.
 
Condições de higiene infra-humanas e águas infectadas ou que tínhamos de procurar longe diariamente com risco da própria vida.
 
Rações de combate impróprias para aquele meio e por vezes impróprias para consumo.
 
Quilómetros e quilómetros percorridos com o peso das rações, da água, das armas e munições que ultrapassavam 1/3 do peso do nosso corpo, por entre capim e lianas, atravessando pântanos e rios, dormindo ou vigilantes tantas vezes encharcados até aos ossos.
 
Á frente da coluna, com as armas ás costas, os primeiros picando á procura de minas, sem possibilidade de reacção imediata, ou sentados no Unimog de peito aberto para os lados da picada, éramos alvos tão fáceis para abater!
 
A simples permanência obrigava a riscos para poder sobreviver, pois os reabastecimentos, a procura de lenha e água expunham os combatentes de então como alvos fáceis do inimigo.
 
Talvez mais que nos golpes de mão ou emboscadas que nós próprios lhes montávamos.
 
O isolamento (tantos aquartelamentos eram único local de presença humana!) criava só por si condições de anormalidade psíquica.
 
Esta capacidade de suportar o sacrifício e viver os riscos inerentes só foi possível com a solidariedade e generosidade dos que partilharam a mesma vida e as mesmas instalações.
 
Quando o amigo fraquejava era não só a palavra amiga, mas por vezes tomar o seu lugar nas operações ou na coluna auto.
Alguns encontraram a morte, que não teriam por ausência no local dela.
 
O exemplo de muitos graduados que nada mandavam fazer sem primeiro o praticarem, de assumirem as posições dianteiras, quer nas colunas, quer nas deambulações pelo mato.
Teriam certamente o mesmo medo que os demais, mas escondiam-no para efectivo controlo e incentivo do seu pessoal.
Tinham vergonha de fraquejar perante os seus soldados.
Esse controlo do medo e vergonha das suas debilidades fez deles bravos soldados e comandantes corajosos.
Não era prossecução de ideais, pois ao fim de poucos meses a quem os levava já o dia a dia lhos tinha retirado.
Não se concordava tantas vezes com aquela guerra, mas fazia-se e sofria-se a guerra, combatendo com bravura e disciplina, porque havia o sentido comum da responsabilidade pela vida dos seus camaradas.
 
Enquanto durava a metralha procurávamos destruir o inimigo, mas calados os fogos, não abatíamos os feridos.
Mesmo quando se formava uma onda de vingança, havia o comandante da força que impunha o respeito pela vida alheia, evitando o tiro certeiro ou os sevícios.
 
Do mesmo modo com as populações subtraídas ao controlo do inimigo.
No inicio da guerrilha a subtracção das populações ao seu controlo foram bastante mais frequentes e fáceis.
Mais meia dúzia depois, já bem enquadradas pelo seu controlo, as populações não só lhes asseguravam a subsistência alimentar como eram os primeiros vigilantes da aproximação da tropa.
E eficazmente doutrinados suportavam privações bem mais acentuadas do que as populações sob o controlo das nossas autoridades administrativas.
 
Apesar de nunca sabermos, se alguém que encontrássemos em território suspeito era simples machambeiro ou possível miliciano ou guerrilheiro, desde que aparecesse desarmado, a regra era procurar a sua captura.
 
Éramos humildes.
Não demonstrávamos arrogância fosse com o que fosse.
Respeitávamos as populações e procurávamos ajudá-las e apesar de termos a força das armas sabíamos respeitar o poder e as competências das autoridades administrativas.
 
A humildade das nossas insuficiências levou á superação das mesmas, motivando-nos para com os meios á mão construirmos as infra-estruturas que nos eram imprescindíveis ou nos parecessem úteis.
Foi a construção de casernas ou simples palhotas para dormir e ter os nossos poucos pertences, foi a construção de alpendres para viaturas, foi a construção dos balneários com resguardos de bambu, onde meio por cima de 4 paus ao alto sobressaíam os bidões com chuveiro, foi a construção dum cimentado com uma cobertura de macuti para refeitório… tantas e tantas coisas para além das habituais defesas da construção de valas em redor de arame farpado circundante, abrigos contra morteiros, de paióis, e postos de sentinela.
 
E não esquecemos aquilo que certamente mais significado teve: a ajuda sanitária ás populações.
 
Ainda e até hoje (posso testemunhá-lo pois em Março último estive na zona de acção da minha antiga companhia).
 
O único médico que até hoje as populações viram ou com quem tiveram contacto foi o médico militar que nos acompanhava.
 
E quando em Pemba fui á melhor farmácia para adquirir um simples creme para queimaduras solares, pude aperceber-me que a nossa farmácia dos nossos pobres aquartelamentos era mais bem recheada do que aquela que agora existia na capital de Cabo Delgado.
 
Tive um furriel enfermeiro diligente e amigo das populações.
Filho de colonos, nascido em Moçambique, fez questão até hoje de lá ficar e reivindica-se tão moçambicano como os de cor negra.
Com ele fiz a viagem de recordação atrás referida e ele lembrava os seus pedidos de medicamentos para as populações e a minha resposta:
- «Souto, desde que não falte para os soldados, podes dar-lhes tudo o que queiras!.»
 
E não se pense que a tropa prestava somente cuidados curativos.
Embora estes fossem os mais visíveis e comuns, praticava-se também os preventivos com programas predefinidos.
E posso dizê-lo era pela saúde que melhor cativávamos a população.
 
Na guerra era o trabalho da paz que mais contribuía para o respeito que as populações nos devotavam.
 
E devo aqui prestar a minha homenagem sincera, aos médicos, habitualmente alferes, mas por vezes com graduação superior quando a especialidade era rara, ou já entrados na idade.
Sem jeito ou prática de armas, o doutor garantia não só a saúde, mas dava sempre um ar de civilista entre a tropa, mesmo que entre os oficiais pudesse haver um ou outro licenciado.
Parecia que o exercício das suas funções e o seu porte amenizava o ambiente marcial.
A minha geração e as populações africanas devem muito a esses jovens médicos.
 
Mas também eles, apesar de todos os sacrifícios, acabaram por enriquecer de sobremaneira os seus conhecimentos e valorizar a sua carreira, pois muitos aí fizeram práticas de que em outro ambiente não teriam oportunidade.
 
Testemunho pois que esta experiência militar de combatente de África trouxe para mim e para toda a minha geração um enorme enriquecimento da nossa dimensão humana.
Não quero dizer que a guerra se justifica porque contribuiu para esse enriquecimento.
De modo nenhum.
 
Testemunho tão somente, que enquadrados nas Forças Armadas, os homens da minha geração souberam na guerra cultivar e praticar virtudes que honram e distinguem qualquer homem: O espírito de sacrifício e de humildade para superação das insuficiências, a solidariedade formadora dum espírito de corpo, o respeito pela vida alheia e pelo inimigo, a consciência da responsabilidade superadora do medo.
 
É momento de perguntar porque foi isso possível!
Mas antes devo interrogar-me se essas tais virtudes têm hoje sentido, numa sociedade onde as regras de comportamento se subordinam ao lucro e bem estar fácil e ao sucesso sem mérito.
 
Entendo que mais do que nunca esses predicados de sacrifício, humildade e respeito e responsabilidade são essenciais para superar as enormes e cada vez maiores dificuldades que nos apoquentam.
 
Só através duma prática alicerçada nestes princípios e na consciência duma solidariedade militante, onde cada qual saiba ocupar o seu lugar podemos viver e vencer.
 
Há quem identifique FORÇAS ARMADAS com os seus quadros profissionais permanentes.
Essa ideia é frequentemente veiculada ou induzida pela comunicação social, fazendo por vezes crer que as Forças Armadas são um peso demasiado caro nos encargos do País.
Os adeptos de tal ideia esquecem quais sejam os deveres do simples cidadão para com a Pátria.
Não é de admirar, pois muitos não sabem o que seja a Pátria, nem mesmo a Nação, e do Estado têm a noção duma entidade que só lhes retira impostos ou que é preciso enganar sugando-lhe algum dinheiro.
 
Nos termos do artigo 276º nº1 da Constituição da Republica « A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses »
E no artigo 275 precedente, no nº1 se diz : «Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República ».
Apesar deste direito e dever do cidadão, entende-se hoje, depois da alteração constitucional em que o serviço militar por lei ordinária deixou de ser obrigatório, que a defesa da Pátria pode ser um serviço contratado.
 
E que dizer da hipocrisia dum serviço cívico previsto nos números 3,4 e 5 do dito atrigo 276º da Constituição?
Previsto para os inaptos para o serviço militar armado e para os objectores de consciência, deixou inclusive de ser substitutivo do serviço militar dos considerados aptos.
As menores necessidade de efectivos e o direito de prosseguir uma carreira, não justificam que se tenha optado pelo serviço militar não obrigatório e que o serviço cívico seja só destinado aos inaptos e objectores de consciência.
Pelo contrário cumprindo o preceito constitucional do dever e direito da defesa da Pátria, o serviço militar deveria ser obrigatório, e os dispensados dele por desnecessidade de efectivos deveriam cumprir um serviço cívico de duração igual, e verdadeiro serviço.
 
As Forças Armadas como as entendo, não são somente os seus quadros profissionais permanentes.
Delas são e deverão ser todos os demais cidadãos chamados às fileiras, prontos e predispostos para assegurar a defesa da sua Pátria.
 
Recordo os benefícios, que os mais humildes da minha geração e as imediatamente antecedentes, os soldados, receberam da instituição militar.
Muitos completaram a instrução primária.
Aprenderam hábitos de higiene e da vivência em sociedade, ganharam autonomia e auto-estima. Aprenderam novas profissões.
Habituaram-se à disciplina, a respeitar os demais, a suportar sacrifícios, enfim valorizaram-se durante o cumprimento do serviço militar, durante o período em que pertenceram às FORÇAS ARMADAS.
Tantos e tantos cresceram e se fizeram homens no cumprimento do seu dever dentro das fileiras das Forças Armadas.
 
Miúdo, ouvi muitas vezes as frases dos velhos para os rapazes em véspera de sortes: “Na tropa abrem-te os olhos! Na tropa fazem de ti um homem.“
 
Não posso encerrar este testemunho sem trazer à discussão uma acusação que a muitos oficiais milicianos nos toca pela sua grave injustiça.
Os adeptos da continuação da guerra do Ultramar, acusam-nos de termos pervertido as Forças Armadas de então.
Que introduzimos nas Forças Armadas Portuguesas ideias revolucionárias de oposição à guerra, minando os ideais e o empenhamento dos combatentes.
Creio que esses pensadores conhecem mal o movimento associativo estudantil de então, tomaram a parte pelo todo, e não foram capazes de entender o estado de espírito da generalidade dos combatentes no final da guerra.
 
A enorme maioria dos universitários de então, integrados nas fileiras não alimentou ideias revolucionárias.
Antes, no final da guerra, os quadros permanentes estavam saturados da guerra, e o povo, apesar da falta de informação sobre ela, ou impedido de ter informação sobre ela, já não a sentia como legítima e necessária, como o fora no início dela em Angola.
O sacrifício de filhos e mais filhos, as narrativas dos que regressavam davam bem a noção que aquela guerra não tinha fim à vista.
Não discuto quem perdeu essa guerra que militarmente nunca se ganha, nem aceito que se possa dizer que foram os milicianos que provocaram o fim da guerra.
 
Da mesma forma que reconheço, pelo meu testemunho o mérito da experiência militar como enriquecimento da condição humana, entendo que os estudantes universitários integrados nas fileiras, muito contribuíram para que junto dos quadros permanentes surgisse uma visão mais moderna, mais actual e mais justa do mundo de então.
E criaram junto dos elementos mais novos desses quadros o gosto pela sua valorização, através da frequência de tantos outros cursos universitários, para além dos estudos da Academia Militar.
 
È de notar quantos militares têm hoje cursos universitários civis.

 
 
CONCLUSÕES:
 
1. As Forças Armadas Portuguesas quer na guerra quer na paz, contribuíram para o enriquecimento humano dos que passaram por elas no cumprimento do serviço militar.
2. Esse enriquecimento consistiu no exemplo de comando, na aprendizagem e prática de disciplina, solidariedade, capacidade de sacrifício, humildade nas insuficiências, respeito pela vida alheia e elevação social das populações mesmo na guerra.
3. Elevou o nível social dos nossos soldados, pela instrução, pela aprendizagem de novas profissões, e pela prática de entreajuda e auto-estima conseguida.
4. Também a passagem de membros mais estudados da sociedade civil pelas Forças Armadas as enriqueceram e deu aos seus quadros permanentes uma visão mais actual, mais moderna e mais justa do mundo, provocando neles o desejo duma maior valorização.
5. O direito e dever da defesa da Pátria, que se realiza dentro das Forças Armadas, não pode ser um serviço contratado, mas deve realizar-se através do serviço militar obrigatório.
Não cumprido, por desnecessidade de efectivos, deve ser substituído por um verdadeiro serviço cívico.
 
É ESTE O MEU TESTEMUNHO.
 
António Ferraz
 

domingo, 8 de novembro de 2015

A nossa passagem por Santa Margarida, por Horácio Cunha

Horácio Cunha

 
Meus amigos:
 
Aqui, neste nosso recreio, penso que muito pouco se tem falado ou publicado, assuntos relativos à nossa passagem por Santa Margarida.
 
 
 
Contudo, este período constituiu também, um marco importante nas nossas vidas, sendo a ante-câmara para uma outra etapa.
 
Assim, nesta foto tirada na messe, poucos dias antes de partirmos, aparece vária gente que anda por aqui ou não andando, nos acompanhou até terras de Moçambique.
 
Eu, que já tinha sido promovido a furriel, também uns dias antes, já estava à civil.
 
O amigo Bernardo parece que já dormitava, enquanto os outros estavam muito atentos, certamente à televisão, muito embora o esforço do artista, no fundo da sala, em divertir a plateia.
 
Mas... parece que só conseguia fazer umas carícias ao Santos.
 
Um abraço
 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A população da Mataca, por Armando Guterres

 
A população foi junta e enfiada num arame farpado.

Claro que para aquelas "cabecinhas" havia de as pôr perto do aquartelamento ... as condições de vida, não contaram, como é óbvio !!! - Pouca água e salobra.
 
Fizeram as machambas um pouco afastadas, onde havia água um pouco melhor.
 
 

No antigamente, na zona a sul da serra do Mapé, a população vivia isolada e nalguns pequenos aldeamentos.

Estive no mapa do Google e fora Chicomo, não encontro aldeamentos a menos de 40 km para este, a norte até ao rio Messalo e até perto de Muagide.
 
Neste território, no nosso tempo havia população protegida pela Frelimo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O que eram os "Furras" naquela guerra, por Duarte Pereira

Duarte Pereira
O SR DUARTE NÃO CONSEGUIU PUBLICAR NO "SEU" !!
PEDIU-NOS PARA PUBLICAR NA "NOSSA" !
.
COMO AS COMADRES ESTÃO COM MUITA SAÍDA, RESOLVI SER EU HOJE A ESCREVER.
 
" OS FURRAS"?
QUAL O PAPEL DOS "FURRAS"?
 
SEI QUE É ABORRECIDO ESCREVER S0BRE TEMAS DOS NOSSOS ANOS EM MOÇAMBIQUE.
 
OS "FURRAS"!!!.
TAMBÉM FUI UM.
E NA MINHA OPINIÃO TIVERAM UM PAPEL FULCRAL "NAQUELA ´COISA".
 
 
 
OS "ALFERO" CONDUZIAM AS OPERAÇÕES.
OS " FURRAS" ORGANIZAVAM O PELOTÃO .
 
À FRENTE, NAS OPERAÇÕES, NUNCA "ALFERO" OU "FURRAS" , MAS SIM OS BATEDORES OU GUIAS.
 
 
 
NAS OPERAÇÕES DO FERRAZ, SE ELE NÃO ERA O NÚMERO UM. NO MÁXIMO SERIA O NÚMERO TRÊS.
NUNCA FIZ ISSO PORQUE NÃO ERA "CURIOSO".
 
OS " FURRAS" NÃO ERAM SOLDADOS, NEM SARGENTOS NEM OFICIAIS
ERAM UMA "SEITA" QUE ANDAVA LÁ PELO MEIO PARA DESCULPAR ALGUNS INSUCESSOS.
OS OFICIAIS ESTARIAM SEMPRE PROTEGIDOS PELOS OFICIAIS.
OFICIAL IA DESDE "ALFERO" ATÉ GENERAL.
ERA UMA CLASSE QUE SABIA PROTEGER OS "SEUS".
 
QUEM PROTEGIA OS " FURRAS" E OS "FURRAS" GRADUADOS??
 
ERAS TU ??
 
DEDICO ESTE TEXTO AOS " FURRAS"
CADA UM QUE PROTEJA OS SEUS.
TIVE MUITO ORGULHO EM SER "FURRA".
 
Duarte Pereira 14/07/2014
 
Fernando Bernardes achei o maximo deste artigo lembro que na 08 tb era assim melhor o alfero andava no meio bem protegido com seus acólitos.
 

Duarte Pereira ACHO QUE IRÁ DAR POLÉMICA. E É ASSIM QUE EU GOSTO!!

 
Paulo Lopes Curiosamente nunca aprofundei quem é que fazia o quê ou quem era quem porque era um tempo de passagem pelo tempo e quanto mais o tempo corresse mais o tempo passava essa passagem!
E foi esse o pensamento que mais me alimentou a esperança!
Talvez por na Mataca as diferenças (que existiam como as existiam em todo o lado e bastava olhar para onde se instalavam uns e outros) não fossem tão profundas nesse aspecto do quem é que fazia o quê!
O repeito imperou sobre a prepotência das divisas e as situações resolviam-se sem necessidade do "chicote"!

O orgulho, reservo-o para outras importâncias do tempo que não esse tempo de passagem, má passagem que deixou lágrimas vermelhas em muitos que não sei se não superam o bom de ter conhecido alguma gente boa que a recordação (e alguns encontros) desse tempo nos ofereceu.
Uma factura muito alta para alguns.
Mas não desdenho e até aplaudo, os sentimentos que o Duarte Pereira traduz em palavras escritas.

Ele sabe que sim!
 

Luís Leote Se bem me lembro do que li, coisas publicadas pelo Duarte, mesmo graduado oficial, atuou como 'furra', não forreta!!!!
 

Velhas DE Estremoz Alentejanas OUVIMOS DIZER AO SR DUARTE QUE COM OS GALÕES. NÃO LHE INCHARAM OS ............. !!!! ADENÓIDES !!!
 

José Guedes NÃO SEI DECIFRAR MUITO BEM O QUE O DUARTE QUER DIZER NO QUE RESPEITA A OPERAÇÔES QUEM IA Á FRENTE OU ATRÁS,. EU COMO CONDUTOR E QUE PASSEI MAIS TEMPO NAS PICADAS QUE NO QUARTEL SEMPRE ME PUNHA NA COLUNA QUE FAZIA EM QUALQUER LUGAR E DEPOIS FÉ EM DEUS,.. QUE POR SINAL ESTEVE SEMPRE COMIGO,..
 

Velhas DE Estremoz Alentejanas SR JOSÉ GUEDES, SE TIVER DÚVIDAS PERGUNTE. NUMA COLUNA ELES PODERIAM MINAR OU IR TER CONNOSCO.
NUMA OPERAÇÃO NÓS ÍAMOS EM PRÍNCIPIO TER A CASA "DELES".
NINGUÉM GOSTA DE TER VISITAS NÃO ANUNCIADAS.
 

José Guedes ÑÃO PRECISO PERGUNTAR UMA COISA QUE EU SEI,.. MAS EU REFERI-ME QUE NA MINHA MISSÃO EMBORA ANDASSE MUITO POR FORA NÃO PRECISAVA DISSO, ME COLOCAVA ONDE CALHAVA,..
 

domingo, 20 de setembro de 2015

O Silvestre Pires fez anos, por Duarte Pereira



Apanhamos mais um texto de "amizades explícitas", nas memória ocultas e ainda não escritas pelo sr. Duarte.

Sr SILVESTRE PIRES.



Quem é, quem foi e o que agora será ?
O sr Duarte diz que tem de ser escrito, para ficar para a posteridade uma, que ele acha, verdadeira amizade....

Não se sabe nada da sua juventude, nem nunca o iremos saber.


Foi mobilizado para Moçambique com o "dever" de acabar a "guerra" nos 100 anos seguintes.

Um alentejano não tem pressa. 



Foi "apanhado" num pelotão "aguerrido".
Pelo menos o primeiro ano terá sido difícil para ele e os restantes militares que o acompanhavam.
Sabemos que não tinha namorada na altura.

Escreveria talvez aerogramas para a família.

Porquê o destaque deste seu aniversário?
Primeiro, porque era da companhia 3509.
Segundo, nós "amadrinhamos" a 3509".
Terceiro, no ano passado descobrimos antecipadamente o dia do seu aniversário.
Quarto, não iremos dar mais "graxa ao cágado".


Homem de carecadas que para um graduado, na altura não era "bem visto" naquele "teatro".

Ainda por cima com bigode, que parecia que só lhe nascia o cabelo por debaixo do nariz.

Depois uma cena que nunca esqueceu ao sr Duarte.

Seria a partir de meados de 1973.
Os dois a jogarem dados na messe de oficiais, sem passar "peva" aos que pudessem entrar.




Nunca o sr Duarte se lembra de ter almoçado ou jantado naquela messe.
Alguns elementos até poderiam ser "porreiros", mas eles estavam desenquadrados. 

Esperamos num dos próximos anos fazer uma "emboscada" a Viana do Alentejo.




Parabéns rapaz.
Votos de boa saúde, para ti, para os teus e para todos nós.

sábado, 19 de setembro de 2015

Morteirada, por Paulo Lopes

Paulo Lopes
 
 
Como disse... cumpro, só para chatear quem não gosta! Lá vai a passagem em que fomos morteirados numa operação:
(...)
 
Era Domingo de Pascoa.
 
Ao longe já se ouvia o bater das hélices das moscas gigantes.
 
Apressamo-nos a colocar as telas de sinalização de cor berrante para que a nossa localização fosse detectada mais rapidamente.
Primeiro passou um bombardeiro T6 e já se avistavam os helicópteros.
Eram três e enquanto despejavam a carga que traziam (água e rações de combate), o T6 sobrevoava a zona.
Não foi longa a transacção de mantimentos e, um a um, os helicópteros deslocaram ficando o seu ruido característico a desvanecer-se pouco a pouco, devolvendo o silencio sagrado à floresta apenas, aqui e ali, desmantelado com o chilrear duma ave ou um grito de animal que detectava a nossa presença e se sentia ameaçado nos seus domínios.
 
Uma Feliz Pascoa para todos.
 
Rapidamente foram distribuídas as rações e água.
 
À mesma velocidade, abandonamos aquele local que, com o ruido que as máquinas voadoras espalharam a largos quilometros, era alvo fácil para uma tentativa de ataque com morteiros.
 
Na sequencia da nossa caminhada, rasgando a floresta, dilacerando a mata sabendo que, na companhia dos G.E., não haveria desvios de monta que atrasassem a nossa intenção, alcançamos o nosso segundo objectivo ao cabo do sexto dia: não se encontrava absolutamente ninguém e por isso não houve qualquer contacto.
 
Toda aquela zona estava sobejamente avisada da nossa presença e da enorme formação que actuava. Por isso todos se tinham retirado das machambas e abandonado todas as palhotas, refugiando-se numa das tantas bases muito bem simuladas e guardadas naquela difícil Serra de Mapé.
 
Limitámo-nos a rodear toda a zona de plantações e montar segurança para que os nativos destruíssem tudo: milho, mandioca, mapira, amendoim, feijão, tudo o que estivesse plantado e que já estava num processo adiantado de crescimento.
 
Tudo ficou destruído e queimado.
 
Saímos — como manda a lei da guerrilha — o mais rapidamente possível daquela zona e avançamos para outro local onde a floresta nos pudesse oferecer uma melhor protecção em relação ao nosso posicionamento.
 
Depois de andarmos mais uns quilometros, pernoitamos.
 
Nessa noite surgiu o que há muito esperávamos mas que estranhamente ainda não tinha acontecido: fomos atacados com granadas de morteiros!
Ouviu-se a primeira saída e logo a seguir, quase simultânea, a segunda.
Uns segundos depois —que para nós era uma eternidade— os rebentamentos. Aqueles rebentamentos assustadores que nos colocam numa posição de simples espera.
 
Os civis fugiam sem saber para onde.
Apenas corriam para o lado contrario ao dos rebentamentos.
Ideias falsas mas instintivas, pois, como sempre acontece nestes ataques, e imprevisível o local da queda dos projeteis.
Tanto caem aqui, ali ou acolá.
 
Fugir não adiantava absolutamente nada. Poderíamos mesmo estar a fugir para a morte.
Era incontrolável!
 
Caíram mais algumas granadas, mas felizmente e apesar de terem batido bem perto, não nos causaram quaisquer ferimentos.
 
Mas não deixaram de por toda a nossa ansiedade num sobressalto e por muitos ataques do gênero que possamos ter sofrido, cada um tem a sua historia e nada passa despercebido, quanto mais não seja, ao nosso subconsciente.
 
As morteiradas vão passando, mas as marcas, os sons e o próprio cheiro, vão ficando e a nossa memoria vai registando.
 
 
In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes